Muitos Carnavais, Caetano

Modo de usar: dê o play e leia!

 

Sim, é mais uma história clichê de carnaval. Mas sejamos sinceras, toda história de carnaval conta com uma boa dose de clichê.

São apenas quatro dias, mas são quatro dias intensos. Como se tratava do primeiro dia, eu não queria queimar a largada e resolvi manter ainda alguma relação com a realidade mais imediata e resolvi almoçar. Qualquer coisa que se necessite fazer no meio dessa situação envolve caos, suor e uma horda fantasiada e festiva que resolve qualquer adversidade coletivamente e com alegria. E há as filas. Filas em que todos brincam mesmo diante do aperto. Fila pro banheiro, pra pegar cerveja, pra pagar cerveja e fila para fazer um prato num restaurante a quilo do centro em que o tempero já havia virado purpurina. Quando finalmente eu consegui me sentar em uma mesa, ele estava lá, bem ao meu lado. Eu sorri, ele sorriu. Pronto. Amor de carnaval. Fora de lugar. O restaurante abarrotado. Gente comendo em pé. Comi, saí, uma última troca de olhar e se você fosse sincera, ô ô ô, Aurora…

Dia seguinte, acorda às oito,… será que hoje vou de fruto proibido, pássaro formoso ou colombina mesmo? Colombina. Já deu dez? Já pode beber. E cerveja, e aquele pirata tá te dando mole, qual, atrás do Peter Pan, e risos, e confete, e andar, e andar e andar, e dançar e mais cerveja, aquele não é o mágico que a gente conheceu ontem, qual, aquele pescador, ih ele mesmo, ai meu deus, tá vindo pra cá… vou beijar-te agora não me leve a mal, hoje é carnaval…

Dormir às duas, acordar às sete porque tem mais bloco. Sair de um bloco para pegar outro bloco. Qual foi o bloco que ano passado foi legal? Tá muito cheio, melhor ir para outro, ah não tá muito vazio vamos voltar pro primeiro. Que que tá tendo aqui? Vai começar um bloco. Mas queríamos ir para o outro. Relaxa que esse começa aqui e desemboca no outro e eu quero é botar meu bloco na rua…

E encontra seu amigo de infância vestido de maiô agarrado num homem das cavernas, se perde de todo o seu grupo e se encontra com a galera do primeiro período da faculdade e dá um perdido nessa galera para ficar com ex-namorada de um colega que estava muito linda de bailarina e dança com ela pelo centro financeiro da cidade pensando que a alegria é transgressora até quando você ainda consegue pensar em alguma coisa e se despede e conversa com a vendedora de cerveja, reencontra sua amiga na fila do banheiro e sai de novo e encontra o mágico-pescador e sai sambando para o outro lado, vê seu professor vestido de coelinho e pede um beijo pra Jesus, reencontra toda a galera com quem você saiu inicialmente. Encontra todo mundo. Menos o gatinho do restaurante. Fazer o quê? No caminho de volta encontra o ex e só te resta é bandeira branca amor…

Ressaca? Toma eparema, um guaravita, passou o enjoo, já pode beber. São três por dez, só estamos em duas, dá a terceira para essa fada, paga a próxima. Passa o dia dançando, rindo, bebendo, conhecendo gente que você nunca mais vai encontrar. Ai meu pé. Desculpa, toma uma cerveja. Ih, pegou. Senta no meio fio, espera cinco minutos, vê a banda passar. Todo mundo brilha. Por que não é sempre assim? Amiga, vambora, vamos perder o bloco, levanta, rápido … ô abre alas, que eu quero passar…

Último dia. Amanhã tudo volta ao normal. Meus pés doem, meu estômago grita, minha panturrilha não existe. Mas não há nada que purpurina não cure. Saímos todas fantasiadas, coloridas, provocativas, alegres e exaustas a afirmar pelo riso que a vida compensa. Quatro dias é pouco, mas são plenos. E se sofremos nessa vida, rimos com a mesma intensidade. Assim, saímos para conquistar nosso espaço numa cidade que se suspende para que os sonhos passem a governar. Foi na noite já avançada, no último fio de energia já bastante aditivada, que começou a chover. Nós, extasiadas de água da chuva, avançavamos junto à multidão comandadas pela bateria. Não se esqueça de mim, não se esqueça de mim, não desapareça… eu me virei para trás… e a chuva tá caindo e quando a chuva começa eu acabo de perder a cabeça… ele, meu primeiro amor do carnaval, só poderia ser o último… não saia do meu lado segure meu pierrot molhado e vamos embolar ladeira abaixo, acho que achuva ajuda a gente a se ver. Venha, veja, deixa, beija, seja, o que Deus quiser… Fui com ele, sob a chuva em nossas últimas horas de carnaval.

Quarta-feira de cinzas. A vida volta. O gatinho, não sei o nome, nunca mais vi. Virou história de Carnaval. Passou. Mas de vez em quando numa quarta-feira escuto o Caetano, me dá uma vontade de voltar naquela chuva…

 

2 comentários sobre “Muitos Carnavais, Caetano

Deixe um comentário