Strange Days, The Doors

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Eu a vi. Melhor, eu a observei. Melhor ainda, eu a admirei. Eu admirei seu passo vindo a distância, do outro lado da rua. Eu notei sua presença entre tantas outras, não porque houvesse algo de especial em sua figura. Em sua beleza. Ela era, talvez, comum. Tão comum quanto qualquer outra pessoa entre milhares de pessoas. Mas tinha uma coisa nela que não tinha em mais ninguém. Ela dançava. Não era uma dança, propriamente, nós estavamos no meio da rua e ela não fazia o estilo doida. Era algo sutil. Algo que eu, parado ali na esquina da rua esperando o sinal abrir, olhando para todos os lado à espreita de alguma coisa que compensasse aquela espera, pude ver apenas por conta de uma mania conjunta, quase neurótica, às vezes, de ser sempre muito atento a tudo que me cerca e ter uma impaciência terrível de passar por qualquer experiência que não tenha algum sentido muito claro com o qual eu esteja envolvido. Uma impaciência terrível, de viver, eu diria, talvez, colocando em termos mais duros e verdadeiros. Foi na minha busca em não perder totalmente aqueles minutos parado numa esquina da vida, enquanto eu me certificava que estava tudo bem à minha volta que eu a vi. Dançando em minha direção. Ela estava com uns fones de ouvido rídiculos na cabeça, andando meio cambaleante, com um leve movimento de corpo e um micro, micro, sorriso de quem tinha um segredo sobre aquilo que estava ouvindo. Um segredo bom, como todo segredo. Alguma coisa triste, talvez? Sutil. Alguma coisa que a deixava alheia ao mundo, enfiada entre aqueles fones de ouvido que pareciam deixá-la invisível perante os outros e exatamente por isso tão visível para mim, enquanto ela caminhava na minha direção em sua micro, micro dança, que só eu percebi. E um ruído que eu ansiava para que tomasse forma. E o sinal que naquele momento eu agradecia a deus ou ao secretário de trânsito que eu xingava internamente todos os dias demorava a eternidade para abrir. Eu consegui notar. Uma nota. Duas. Alto para caralho aquele fone. Ela parou do meu lado, na mesma esquina que eu, para atravessar a mesma rua. Eu ri. Porque Strange Days era o disco que eu podia notar tocando a cinco quarteirões. Foi o primeiro disco de rock que eu gostei na minha vida. E era claro que ela em sua micro dança, com aquele seu micro sorriso tão misterioso, tinha também alguma ligação com aquele disco. E silêncio, eu não ouvia mais buzinas, porque nessa troca de faixa eu saberia se era a obra inteira que ela ouvia ou se praticava essa monstrusidade de picotar o que o músico pensou como um peça inteira.  Strange Days. Inteiro. Eu ri, nos primeiros acordes de When the music’s over. Ela não notou na hora porque estava em sua cabeça invisível para os outros. E ela fechou os olhos. Seu micro sorriso virou um quase sorriso. Em sua dança ela avançou centímetro para frente. Eu só via ela. E escutava When the music’s over. Foi quando veio  o ônibus. E eu ouvi as buzinas. E eu ouvi os gritos. E ouvi

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